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Por uma Espiritualidade Cristocêntrica

Por Alexandre Azevedo

A centralidade de Cristo na Bíblia é uma verdade admitida em ambos os Testamentos. O que se depreende do texto sagrado é que Ele ocupa o lugar de preeminência no plano redentor de Deus para a humanidade. De foma sintética, o texto de Colossenses 1.14-20 apresenta Cristo como sendo a manifestação visível do Deus invisível, a origem, razão de ser e finalidade de toda a criação, o mantenedor de todas as coisas, o promotor da paz entre Deus e o homem e o meio através do qual Deus reconciliou consigo mesmo “todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus”.

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Cristo, portanto, longe de ser apenas um guru religioso, um provocador de sentimentos piedosos ou um desencadeador da consciência religiosa nas pessoas, é apresentado como o ideal espiritual da humanidade, aquele através do qual a verdade se tornou manifesta existencialmente, isto é, em sua própria vida, e conceitualmente, isto é, em seus ensinos. Assim, a vida e o ensino de Cristo refletem a única verdade legítima no que tange à espiritualidade humana. Em outras palavras, a espiritualidade necessária tem que ser, necessariamente, cristocêntrica. Nas palavras do teólogo alemão Horst Georg Pöhlmann: "[...] Jesus entrou em cena com autoridade jamais vista, a saber, a autoridade de Deus, afirmando ter autoridade de se colocar no lugar de Deus, falar a nós e nos trazer salvação […] em relação a Jesus, existem apenas dois comportamentos possíveis: acreditar que Deus nos encontra nele ou pregá-lo na cruz como blasfemo. Não existe uma terceira opção".

 

Mas o que se entende por “espiritualidade cristocêntrica”? Por definição, uma espiritualidade cristocêntrica é aquela que acontece em função de Cristo, que brota dele e se volta para Ele. É uma espiritualidade que admite a preeminência de Cristo sobre todas as possibilidades religiosas que se conhecem. É uma espiritualidade que se desdobra a partir da sua Palavra e da sua obra redentora. E tudo isto é apresentado na Bíblia como sendo uma necessidade fundamental de todo homem.

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Evidentemente tais afirmações não soam como razoáveis para a mentalidade secularizada de nossos dias, que não admite nenhum tipo de absolutização conceitual ou de personificação de uma verdade que se apresenta como suprema em matéria de religião. E aqui uma espiritualidade cristocêntrica encontra o seu primeiro desafio: o de sustentar as altas reivindicações de Cristo em oposição a um conceito reducionista com relação à sua pessoa.

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Desde Hermann Samuel Reimarus, no século XVIII, que definiu Cristo como um messias judeu do tipo político, que visava agregar junto de si seguidores que o proclamassem líder da nação, para então fazer frente à dominação romana, Cristo tem sido subestimado pela erudição liberal. O movimento de busca do Jesus Histórico, que durou cerca de 150 anos, desde Reimarus, caricaturou Cristo de diversas formas, todas elas infinitamente aquém daquilo que os evangelhos e as epístolas afirmam a seu respeito. Com relação a tais definições da erudição liberal, Joachim Jeremias afirmou: "Os racionalistas descrevem Jesus como o pregador moral; os idealistas, como a quitessência do humanismo, os estetas o apontam como o amigo dos pobres e o reformador social, e os inumeráveis pseudocientíficos fazem dele uma figura da ficção".

 

Nossa geração herdou tais conceitos. Cristo foi esvaziado de sua dignidade a tal ponto, que admitir sua divindade e supremacia e esperar em suas promessas se constitui, para a nossa geração, numa ofensa. Deste modo, aqueles que querem viver uma espiritualidade cristocêntrica nos dias atuais se exporão, inevitavelmente, à incompreensão e até mesmo ao desdém públicos.

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Mas um outro desafio se apresenta àqueles que querem viver segundo Cristo, e este é protagonizado por aqueles que confessam o seu nome, mas que não discernem o conteúdo do seu ensino: o desafio de um tipo utilitarista de espiritualidade, que define sua base teórica a partir da engenhosidade e fantasia de certos líderes religiosos, e não do evangelho. A religião cristã tem sido sistematicamente transformada num grande mercado de ideias e, em alguns casos, de exploração de toda ordem.

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É lamentável observarmos o descaso com que a Palavra de Cristo tem sido tratada por alguns que confessam segui-lo. O que se observa é uma substituição dos valores de Cristo pelos ideais humanos; uma promoção da personalidade humana em oposição à glória de Cristo. O dado lamentável é que tal realidade é extremamente apelativa e tem se propagado muito além do que se poderia esperar, uma vez que a promessa de um evangelho fácil e sem autonegação é profundamente atraente àqueles que ainda não entenderam as implicações do que significa seguir a Cristo.

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Neste contexto somos desafiados a nos voltarmos para a Palavra de Cristo como único fundamento para a preservação de uma mentalidade cristã, que resiste à tentação de buscar a autonomia humana na definição da verdade. Não se poderá viver uma espiritualidade cristocêntrica se a Palavra de Cristo não for o fundamento das crenças e das ações. Deste modo, somos conclamados a reconhecermos nossa total dependência do evangelho pregado por Jesus e a proibição de interpretarmos este evangelho ao nosso bel prazer.

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Portanto, para se viver uma espiritualidade cristocêntrica nos dias atuais, é necessário reconhecer a pessoa de Cristo, não segundo as definições do homem moderno, mas segundo o que a Bíblia nos conta acerca dele, bem como se sujeitar à sua Palavra, considerando-a em sua integralidade e segundo os seus próprios termos. Isto, sem dúvida, se constituirá numa ofensa à mentalidade contemporânea e poderá soar como atitude antiquada e inadequada. Porém, é para isto que Cristo nos chama: para vivermos segundo Ele, por Ele e para Ele, em autonegação e negação de tudo o que conspire contra a sua dignidade, para a glória de Deus.

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